10 de novembro de 2008

O BRASILEIRO HÁ DE SER UM OBAMA

Eis que depois de um tenebroso inverno, cá estou eu para atualizar esse abandonado espaço virtual. Confesso que minha ausência se deve a pouca “audiência” que eu tive. Afinal, você leitor virtual, tem muito mais o que fazer do que dedicar alguns minutos lendo um pretensioso escritor iniciante com suas idéias obsessivas. Paciência. Por acreditar que ainda tenho algum leitor, estou aqui para escrever para esse solitário ser.

Quero falar hoje sobre o fato político mais importante do ano que ocorreu na ultima semana. Não, não é nada relacionado ao nosso brilhante presidente ou aos nossos laboriosos deputados. Em absoluto. Vim falar sobre a vitória do primeiro negro, vindo de família pobre, que irá governar a ex-maior nação do mundo. Ah como eu os invejei. Invejei cada voto, cada momento da festa americana para Barack Obama.

Minha inveja se justifica plenamente. Gostaria muito que Obama fosse brasileiro e eleito presidente. O Brasil só será o verdadeiro Brasil quando tiver um negro no poder máximo da nação. Enquanto isso, será o anti país. Obama seria a representação mais fiel de cada brasileiro e transformaria o país num lugar menos abjeto como atualmente o é.

Agora imaginem o que diriam as esquerdas, que elegeram um torneiro mecânico com instrução até o primeiro grau, presidente. Imaginem o quanto festejariam o nosso negro presidente? Pois eu vos digo que elas, as esquerdas, o sabotariam de todas as maneiras. Todos os possíveis erros que cometesse o nosso negro presidente seriam hiperbolizados. Isso porque somos uma sociedade hipócrita, que teima em ter um sistema de cotas para negros, mas não se preocupa em dar a eles uma condição mais digna de viver, um ensino decente. Os negros que se contentem com a esmola oficial, legitimada pelo consenso da sociedade.

O Brasil vive um apartheid silencioso, maquiado pela adoração a alguns negros brilhantes, como Pelé e Machado de Assis (sim, ele era negro). No mundo, o negro vem se destacando. Um negro é campeão de Formula 1, um esporte extremamente elitizado e, ainda, a partir de 2009, outro negro comandará a ex-superpotência mundial. Enquanto que no Brasil, só haveremos de ser uma nação autêntica quando cada brasileiro tornar-se um Obama de suas próprias vidas.

Obrigado, leitor, por chegar até o final.

22 de agosto de 2008

FRASES

  • Não há época mais antiga que a nossa. E repito: somos os contemporâneos mais saudosistas que jamais existiram nesse mundo.

  • Toda curiosidade é mórbida.

  • O que nos discerne dos animais não é a inteligência, mas sim a incoerência

  • A sinceridade é, de fato, a pior das virtudes.

  • O dinheiro corrompe tudo, até mesmo um santo encerrado em seu oratório.

  • Não acredito na mulher que se altera. Aquela que pinta o cabelo já se dilacera para a eternidade.

  • No Brasil todo ensaísta é um criminoso, um marginal da pior espécie. Aqui o intelectual é caçado como um boi ladrão e tem seus colhões arrancados em praça pública.

  • Toda atitude consciente de um ser humano tem a sua lógica, sua razão de acontecer. Por mais que tal ato nos fira a consciência, nos ultrapasse o limite da compreensão.

  • A matemática é uma ciência burra.

  • Não creio no domínio chinês, e argumento – eles não resistirão por muito tempo aos apelos humanitários que hão de flagelar o método chinês de trabalho (...) à medida que a China vai avançar para o mundo, o mundo vai avançar para a China.

  • Vivemos nós, brasileiros, num país onde reina o eterno provisório, em que tudo é para agora e nada é para sempre.

  • O carnaval é a mais honesta das festas. Não existe neste festejo o cinismo do Natal, a falsa sensação do Reveillon.

  • Hoje para um artista sobreviver com sua arte, precisa negar-se a si próprio, ser aquilo que a mídia demanda. O artista bem sucedido no Brasil é o anti-artista.

  • O racismo no Brasil existe com toda a força que jamais se pode imaginar. Aqui ainda há um agravante fatal: a hipocrisia. O racismo americano é melhor que o nosso.

  • O palavrão possui toda uma função fisiológica, onde expurgamos todo o amargor, a ira dos dias afins.

  • Com o advento das comunidades virtuais, o brasileiro sentiu-se um Moisés pronto e já seco diante de Michelangelo no crucial e histórico momento em que o gênio disse: “Parla”.

  • O cristianismo de hoje em nada tem a ver com Jesus Cristo. Tornou-se um grande negócio.

25 de janeiro de 2008

ANTIQUÁRIOS DIGITAIS

Não há época mais antiga que a nossa. E repito: somos os contemporâneos mais saudosistas que jamais existiram nesse mundo. Sei que muitos hão de objetar: mas e os avanços tecnológicos e a era dos pc’s, da Internet? Ora vejam, estamos em plena revolução digital dos meios de comunicação e, assim mesmo, vivemos uma nostalgia faraônica. Hoje se cultiva o obsoleto, o retrógado.

Outro dia, voltando para casa de trem, observei um grupo de adolescentes que encaminhavam para alguma festa. Eu os observava de longe com uma curiosidade mórbida (toda curiosidade é mórbida). Mas eis que os jovens se trajavam semelhantes a um Elvis, e outros possuíam cabelos repuxados para o centro da cabeça e erguidos, tal como é a estética punk. O leitor já me entendeu, com efeito. Não havia naqueles jovens uma mísera, escassa aparência de século XXI. Se algum indivíduo tivesse dormido em 1965 e só acordasse agora, em 2008, ali naquele trem, e presenciasse aquelas criaturas, decerto afirmaria: cochilei por meros 15 minutos.

A moda comumente chamada de retrô vem ocupando as vitrines, as grifes famosas, os corpos de Gisele Bündchen. Às vezes me sinto alardeando o óbvio. Paciência. Mas o fato é que a busca por esse passado, essa estética de décadas anteriores a nós mesmos é a demonstração evidente de que não possuímos ídolos em nosso tempo. E um povo sem ídolos é um povo sem cara, um narciso sem espelho. Falei outro dia aqui mesmo nesse espaço virtual que o último grande ideal do brasileiro foi a luta pela Diretas Já. Depois disso, tudo que ocorreu foi intranscendente, efêmero. Tancredo foi o último grande homem popular e temos na perspectiva daquela época uma distancia abismal, um atlântico espaço de tempo de vinte e poucos anos.

Os avanços nas comunicações, na tecnologia em geral, têm gerado um esvaziamento humano. Hoje somos 6 bilhões de universos diferentes convivendo no mesmo planeta, devastando-o para a eternidade com vistas para a nossa conveniência, nossa zona de conforto. O sexo virtual é a mais comum e atual forma de relação. Com o advento das doenças venéreas e fatais, somos abdicados ao ato sublime realizado intermediado por máquinas e cabos de fibra ótica.

Outro dia li sobre uma nova tecnologia que surge com vistas para a substituição do DVD. Vejam, meus caros, que há tantas e tantos que nunca tiveram contato com o fascinante mundo do DVD, e quando os tiver já será algo obsoleto, ultrapassado. No artigo falaram na tecnologia Blu-ray que virá para colocar no bolso do colarinho tudo que existe hoje em referência à imagem e som. Essa será a ultima velha novidade. Quase ao mesmo tempo, também tive acesso a um movimento de músicos que apregoam a volta dos discos de vinil. Isso mesmo, a radiola egípcia da vovó voltará à ativa. Presenciaremos verdadeiros antiquários digitais, com aqueles proprietários empoeirados até os olhos.

Não há a mínima coerência (afinal não se pode esperar do ser humano a coerência). A cada novo avanço tecnológico, agimos como náufragos do Titanic em busca de um apoio pretérito. O que isso me sugere é um desespero voraz, um grito de socorro. O homem está se esquecendo do homem. Os robôs serão a nossa mais dramática redenção.

20 de janeiro de 2008

O OLHO VAZADO

Dita a nossa crassa e ignara consciência coletiva, que ter filhos é uma dádiva, um ato transcendental. Imagino que colocar mais um ser humano nesse mundo é de uma irresponsabilidade torpe. Sobretudo mais um brasileiro para viver nesse país de tantas injustiças e tamanhas indignidades. Amigos não se espantem. Não quero apregoar um controle de natalidade maciço, pânico. Vejo apenas que a raça humana vem se auto digladiando desde priscas eras. O nosso grande e inequívoco mal é a nossa incoerência. Repito: o que nos discerne dos animais não é a inteligência, mas sim a incoerência parva das nossas atitudes, das mais elementares às mais sofisticadas.

Perdoem-me se me perco em palavras agressivas. Creio que em detrimento ao que eu pretendo realmente falar. Diariamente, quando volto do trabalho, passo em frente a um albergue, onde homens se enfileiram, com efeito, para tomarem a refeição da noite e também dormirem em algum lugar menos pétreo, menos árido que as calçadas. O dia todo, esses homens se arremessam no batente e ficam ali solicitando a caridade alheia. Eis onde eu pretendo chegar: a caridade é um cruel dessonho. Já explico.

A maioria absoluta dos mendigos e pedintes que se aboletam pelas calçadas do nosso passeio público, estão ali por uma insofismável opção de vida. Há poucos, pouquíssimos, que vivem nessa situação por serem vítimas da segregação social ou da incapacidade física e mental de procurarem um trabalho minimamente digno.

Certa época da minha vida, eu assinava uma coluna de crônicas em O Pergaminho, um jornal semanal, naquela época, de Formiga, minha terra natal. Eis que o meu debut naquele pasquim foi com um texto onde eu fazia uma crítica sobre a questão do mendigo no Brasil e, mais especificamente, em Formiga. O título da crônica era “A mendiga da Fonte”, numa alusão a uma senhora que se sentava no batente de uma loja chamada “A Fonte” – se não me trai a memória. Ela era uma criatura apiedada, que nos tocava, de fato, a alma. Ela possuía um dos olhos vazados, os braços roliços e o cabelo sempre com um aspecto sujo. Mas, proferiam as ácidas línguas interioranas, que ela tinha uma saúde de vaca premiada. Seus aspectos físicos – e mentais – estavam em pleno gozo. A mulher estava ali, jogada ao batente, por causa do olho vazado, o qual lhe dava uma aparência realmente terrível, horrenda, indecorosa.

Vejam, meus caros, que não estou fazendo juízo de valor. Não conhecia proximamente aquela mulher para saber dos seus reais motivos por estar ali. E na crônica que eu publiquei, em O Pergaminho, não fiz nenhuma escassa menção cruelmente direta a ela. Apenas a utilizei como metáfora para falar exatamente isso que venho lhes mostrando nesta outra crônica. Mas eis que uma parenta dela, de posse de um exemplar do jornal, invadiu a redação a minha procura e foi ter com o diretor do jornal. Eu não trabalhava no jornal, apenas colaborava. A dona quis saber quem era eu e queria tomar satisfações. Ora, acho que não disfarcei o suficiente a metáfora. Faço o mea culpa. Fato é que o diretor do jornal ficou em uma situação constrangedora.

Não sei de que forma ele se saiu daquela situação, mas o fato é que ele veio me falar “Cuidado, cuidado”. Ora vejam a vida do cronista no nosso país. Se quisermos nos aliar a um órgão de imprensa, temos que nos esconder como um Bin Laden, preferencialmente com um pseudônimo, para explanar o que pensamos. A sinceridade é, de fato, a pior das virtudes.

11 de janeiro de 2008

LADRÕES BENFEITORES

Como é difícil explicar o que ocorre quando resolvemos viver aquilo que nos foi traçado desde encarnações anteriores a nós mesmos. Vejam que tenho a convicção absoluta que nasci para trabalhar com palavras, arquitetar frases, moldar textos, construir sonhos revestidos de alocuções. Eis que nascido com tal missão nessa vida, me vi afastar-me do meu destino transcendental. Por motivos alheios aos meus mais inconfessáveis desejos, tive meu caminho traçado pela abjeta necessidade de dinheiro. Assim sendo, fui vítima de mim mesmo e perdi o foco do objetivo que me sustenta vivo nessa Terra.

Sim, o dinheiro. Como disse Caetano: “a força da grana que é e destrói coisas belas”. O dinheiro é lidado como o objetivo final, a razão de nossas mal amadas vidas. E quem vive e se escraviza pelo dinheiro é de uma aspereza de palha de aço. O dinheiro corrompe tudo, até mesmo um santo encerrado em seu caritó. O dinheiro que sustenta a arte e, ao mesmo tempo, a torna a negação da própria arte, a ex-arte. A lógica capitalista me é exaurante, inóspita. Não consigo enxergar o mundo sob essa ótica simplista comercial.

Todavia, o aspecto mais angustiante e tenebroso de tudo isso é que não posso vislumbrar outro caminho para a vida, que não me deixar prender em senzalas para sobreviver. Sei que divago em utopias, me perco em argumentações líricas para algo tão robustamente objetivo como o capitalismo. Mas eu me aproximo do meu objetivo nesse texto.

Hoje gostaria de falar sobre as benfeitorias que o destino trata de arquitetar. Por caminhos tortuosos, incompreensíveis a nós, pobres encarnados, os ladrões das obras de arte do MASP foram responsáveis por uma boa ação indiretamente. Nunca, desde a sua fundação, o Museu de Arte de São Paulo ocupou tanto a mídia que, no seu sensacionalismo atávico, quis ressaltar um crime. Mas esse ato, de crime puro e genuíno, teve muito pouco. Repito, esse foi o melhor crime que já ocorreu no Brasil.

As obras de Picasso e Portinari foram surrupiadas numa tentativa de se corromper a arte pelo dinheiro. E agora, essas obras de arte, bem como todo o museu, ganharam uma exposição similar à que têm as nadegas do BBB, os surtos de Britney Spears, os tiros nas favelas. O caso ganhou até um destaque internacional (para o enrubescimento de nossas faces). Agora, as obras do MASP serão, finalmente, dignas de uma segurança reforçada e de novos investimentos para o museu que é um marco na evolução da nossa cultura. Sim, pois a Semana de 1922, fato impulsionador do Modernismo no país, é a maior manifestação cultural da história do Brasil. Tomara que esse incidente provoque um novo e sobressaltado movimento modernista.

2 de dezembro de 2007

REFLEXÕES SOBRE A BELEZA.

O desenvolvimento cultural de um país pode se medir pelo número de sebos. Não consigo citar nada que seja mais importante para um povo que um sebo. Nem hospitais, escolas, polícia, nada supera esses estabelecimentos geralmente mal iluminados, empoeirados e idiossincráticos aos seus donos. Conheci outro dia o dono de um sebo. Tinha a cultura livresca estampada nas olheiras profundas. Sua roupa cheirava a baratas naftalinadas e a poeira se acumulava em seus ombros e se impregnava nos olhos. Foi no sebo desse senhor que encontrei uma obra longe de ser uma raridade, mas que me espantava pelo título: “A Ditadura da Beleza”. O autor é Augusto Cury, um conhecido escritor de livros de auto-ajuda. Não li o livro, nem o comprei – esse gênero literário é desprezível. Mas o título me chamara à atenção sobremaneira.

O assunto que parte dessa frase é de uma profundidade considerável. Vivemos hoje uma disseminação de conceitos de beleza, onde se determina o tamanho dos seios, os traços do rosto, o formato dos dentes. Creio que nunca na história, desde o renascentismo, se preponderou tanto aquilo que é considerado belo. O assunto realmente parece estar em voga. Até mesmo o Umberto Eco, o homem do Nome da Rosa, lançou outro dia a História da Feiúra.

A questão que soa em trombetas, estampa garrafalmente os jornais é: o que podemos considerar feio e belo? Temos todo um referencial herdado da cultura Greco-romana. Mas hoje há uma desvirtuação sobre os conceitos de beleza. As mulheres pretendem se encher de almofadas siliconadas para sentirem-se mais atraentes. Mal sabem elas que a sinceridade de um seio natural é de uma importância divina. Não acredito na mulher que se altera. Aquela que pinta o cabelo já se dilacera para a eternidade. Conheço mulheres que perdem trechos de vida preciosos para se pintarem, alterarem sua humanidade. Aquelas que põem silicone nos seios, então, abrem uma cicatriz dolorida na alma. Jamais serão humanas novamente. Bem aventuras as meninas que, desde cedo, se livram dessas obsessões ignóbeis e mantêm sua originalidade.

Acredito que a ditadura da beleza ainda fará muitas vitimas e provocará o extermínio das nossas essências fugazes. Os considerados e consagrados como belos pela sociedade, possuem muitas portas escancaradas, no entanto nada, em absoluto, existe graças ao que se é como pessoa, mas sim pelo que se aparenta ser. Acredito que os belos são os mais suscetíveis ao suicídio, pois o vazio que a nata de suas belezas pode provocar no seu ser, faz com que qualquer brisa mínima o empurre do alto dos prédios.

Eu me admito feio. E o faço sem qualquer melancolia, mas com resignação. Não creio que isso possa determinar o caráter de qualquer pessoa, mas é de uma concretude paulistana que o feio é condenado a arrombar portas, estripar rinocerontes todos os dias para chegar onde pretende. Isso torna o feio talvez não mais feliz, porém mais completo enquanto pessoa. Ao belo resta estampar sua paisagem pelas ruas, escritórios e capas de Caras para que o mundo se genuflexa.

Hoje eu queria falar sobre Nelson Rodrigues, mas confesso que me distraí com o assunto. Fica para a próxima.

21 de novembro de 2007

AS RAZÕES DA TROPA

Um dos assuntos mais recorrentes nas minhas crônicas trata sobre a mercantilização das manifestações artísticas. E o questionamento que sempre vem à baila é: até quando a arte, enquanto produto comercializável, é salutar? Será o dinheiro realmente fundamental para a arte, ou ele apenas contribui para a ditadura das artes? Sim, pois o dinheiro que compra é o mesmo que determina o que será consumido pela população. Isso seria um tema interessante para algum ensaísta transgressor – No Brasil todo ensaísta é um criminoso, um marginal da pior espécie. Aqui o intelectual é caçado como um boi ladrão e tem seus colhões arrancados em praça pública.

Mas não é sobre exatamente isso que pretendo tratar. Apesar de o meu assunto de hoje estar intimamente ligado à cultura de massa nacional. Quero falar sobre o filme do ano. E vejam, meus caros, que não se trata de nenhuma superprodução estadunidense. Desta feita, falarei sobre Tropa de Elite. O filme nacional que vem arrastando multidões às salas de cinema de todo país. Uma massa sedenta por sangue e por justiça. O cinema nacional vive mesmo dias de glória fundamentais.

Fui assistir ao filme. Duas vezes, aliás. A primeira assistência foi levada pelo emocional e pela expectativa. Na segunda, fui para melhor enxergar o filme. Ora, uma obra de arte que se preze deve ser relida e revista até que se sinta o ar que a circunda. Lembrem-se: ler é a arte de reler. Pois bem, o que vi me agradou profundamente. A produção do filme é, de fato, impecável. A fotografia é intimista e te leva a viver as aventuras dos comandados do Capitão Nascimento.

Na segunda vez que fui ver, quis prestar a atenção nas reações da audiência diante daquelas cenas tão realistas e fortes. Percebi algo curioso e, ao mesmo tempo, preocupante: as pessoas se deleitavam quando ocorriam as torturas, as rajadas de tiros, o autoritarismo do Capitão Nascimento. Eis onde eu pretendo chegar. Como o brasileiro aprecia a violência. Tropa de Elite tem um efeito catártico, onde o público excreta toda sua ira contra o crime organizado, ainda que utilizando dos mesmos subterfúgios. É preocupante ver crianças nas ruas sonhando em ser o herói do BOPE para torturar e matar bandidos.

O roteiro de Tropa de Elite trata de forma maniqueísta a relação entre polícia e tráfico, sendo a polícia – ou o BOPE, mais precisamente – o grande herói, o supra-sumo da razão. Enquanto o traficante é o vilão pérfido a ser incinerado. No meio do caminho estavam os estudantes que “financiam” o tráfico. A solução: subir o morro e matar a quem visse. Fica a questão: será mesmo esta a saída para a problemática do tráfico?

Sei que parecerei repetitivo. Paciência. Não existe cronista sem obsessão. Mas combater o crime organizado com violência é a recaída perfeita para o provisório eterno. É necessário ser firme com os criminosos, quanto a isso não há questionamentos. Mas e o futuro, me digam, e o futuro? Fundamental seria dar educação aos pequenos projetos de traficantes que moram no morro. Tirá-los daquela vida e dar a eles uma esperança de viverem além dos seus 15 anos com dignidade.